viernes, 16 de septiembre de 2016

"Ele escrevia para melhorar a vida", diz filha sobre obra de Rubem Alves

14/09/2016 07h00 - Atualizado em 14/09/2016 07h00

Escritor completaria 83 anos nesta quinta-feira (15); ele morreu há 2 anos.

Ele foi um dos maiores intelectuais do país e deixou textos em várias áreas.




http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/09/ele-escrevia-para-melhorar-vida-diz-filha-sobre-obra-de-rubem-alves.html
Do G1 Campinas e Região

Escritor e teólogo, Rubem Alves completaria 83 anos, em 2016 (Foto: Instituto Rubem Alves)Escritor e teólogo Rubem Alves completaria 83 anos em 2016 (Foto: Instituto Rubem Alves)
"Houve um tempo em que fui criança como vocês. Mas o tempo passa e aquilo que era deixa de ser. O tempo é isto: o poder que faz com que coisas que existem deixem de existir para que outras, que não existiam, venham a existir", escreveu o poeta, cronista, teólogo, filósofo, psicanalista e educador Rubem Alves em um de seus livros. Veja Galeria de Fotos.
Há dois anos, o escritor, que é considerado um dos maiores intelectuais do país, morreu emCampinas (SP), onde viveu por muitas décadas. Nesta quinta-feira (15), Alves completaria 83 anos.
Para relembrar momentos da vida e da carreira do educador, o G1 conversou com a filha caçula dele, Raquel Alves, que deixou a arquitetura para manter viva a memória do pai no Instituto Rubem Alves, em Campinas. "Ele escrevia para melhorar a vida que incomodava e machucava. Não havia um plano para isso”, explica.
Ele percebeu que tudo o que ele produzia era muito duro e ligado ao academicismo. Então, ali, ele decidiu que escreveria apenas o que o coração pedisse"
Raquel Alves, filha
Escrever com coração
E foi de forma não programada que os textos do escritor que falavam sobre a vida surgiram em sua trajetória.
Eles vieram apenas após o nascimento de Raquel. Antes, Alves tinha uma carreira totalmente voltada para o mundo científico. Ele se dividia entre as aulas na Unicamp e na Universidade de Rio Claro.
Mas, tudo mudou após a chegada da filha caçula. Segundo Raquel, já na sala da maternidade, ele começou a repensar seu trabalho. “Ele percebeu que tudo o que ele produzia era muito duro e ligado ao academicismo. Então, ali, ele decidiu que escreveria apenas o que o coração pedisse”, explica.
Raquel ressalta ainda que quando ela tinha 5 anos, o pai defendeu sua livre docência em filosofia política na Unicamp e que, a partir disso, se sentiu mais livre para tratar de diferentes assuntos. “Isso deu a segurança de que ele não seria demitido. Ele tinha mais liberdade para falar o que quisesse”, destaca.
Por isso, em 1982, ele produziu suas sete primeiras histórias infantis, e a partir disso, iniciou uma vasta produção de livros. "Eu vejo que ele estava entalado e começou a produzir e resultou em um estouro. Essa foi uma época de produção constante [...] nessa época ele já estava livre, então ele se dedicou à escrita e dava muitas palestras”, conta.
E mesmo se dedicando fielmente à carreira ao longo de sua vida, Raquel ressalta que o pai nunca deixou que ela e os dois irmãos se sentissem sozinhos. “Ele era um pai muito ocupado, viaja e trabalhava muito. Mas, no momento em que ele estava com a gente, ele estava inteiramente. Por mais que ele viajasse e a gente sentisse saudade, nunca teve uma sensação de vazio, porque ele preenchia muito a gente”, lembra.
Rubem Alves ao lado de um ipê amarelo (Foto: Instituto Rubem Alves)Rubem Alves ao lado de um ipê amarelo (Foto:
Instituto Rubem Alves)
Paixão por ipês amarelos
A filha conta também que durante a vida o pai sempre demonstrou uma paixão especial por ipês amarelos.

"As outras árvores fazem o que é normal – abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está pra chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio", escreveu Alves em um de seus textos.
Para o escritor, os ipês ensinavam lições para pessoas, que deviam se abrir para o amor, também, durante o inverno. Além disso, ele afirmava que a árvore ressaltava a exuberância da vida.
A paixão por essa árvore era tão forte, que antes de morrer, o escritou entregou uma carta de 10 páginas aos filhos dizendo que gostaria de ser cremado e que suas cinzas deveriam ser jogadas embaixo da sombra de um ipê amarelo enquanto seriam lidos textos de seus poetas preferidos, como Cecília Meireles e Fernando Pessoa. Segundo a filha, o pedido foi atendido integralmente.
Legado
De acordo com Raquel, durante toda sua vida, Alves sempre teve uma preocupação grande com suas obras, que ele considerava como filhos. “Ele tinha consciência de que tinha muito livro, muito material e que alguém teria que cuidar. [...] Ele sempre falava para mim, alguém tem que cuidar da minha obra", lembra.
A filha afirma ainda que o escritor só morreu depois que teve certeza que suas obras estavam em segurança. "O sonho dele era que a obra dele fosse cuidada. Era que tudo que ele plantou não morresse junto com ele e o instituto foi o formato encontrado. Tanto foi isso que quando ele recebeu o instituto [...] ele partiu 51 dias depois", contou a filha.
Mineiro
Rubem Alves nasceu no dia 15 de setembro de 1933 em Boa Esperança, no Sul de Minas Gerais, mas morou boa parte de sua vida em Campinas.
Ele foi educado em família protestante e estudou teologia no seminário Presbiteriano do Sul. Virou pastor de uma comunidade presbiteriana no interior de Minas e casou com Lídia Nopper, com quem teve os filhos Sérgio, Marcos e Raquel.
"A vida dele em Lavras como pastor era cuidar dos pobres e das pessoas que procuravam ele, sem querer catequizá-los, simplesmente dar cuidado e amor", conta a filha.
O autor afirmava que descobriu que podia escrever para crianças ao inventar histórias após o nascimento da caçula.
Rubem Alves com 3 meses de idade (Foto: Instituto Rubem Alves)Rubem Alves com apenas três meses de idade
(Foto: Instituto Rubem Alves)
Em 1963, viajou para Nova York para fazer uma pós-graduação. Retornou à paróquia em Lavras (MG), no período da ditadura militar, e foi listado entre pastores procurados pelos militares.
“As listas de acusações eram absurdas, coisas do tipo que ele obrigava meus irmãos a escreverem em rótulos de Nescau blasfêmias contra Deus, sendo que meus irmãos nem eram alfabetizados naquela época”, conta.
Depois disso, saiu com a família do Brasil e foi estudar em Princeton, também nos Estados Unidos, onde escreveu a tese de doutorado, que foi publicada em 1969 por uma editora católica com o título de 'A Theology of Human Hope' (Teologia da Esperança Humana).
Retornou ao Brasil em 1968 e saiu da Igreja Presbiteriana. No ano seguinte foi indicado para uma vaga de professor de filosofia na atual Unesp, onde permaneceu até 1974. No mesmo ano, entrou no Instituto de Filosofia da Unicamp, onde fez uma longa sua carreira acadêmica até se aposentar na década de 1990. Em 1984 iniciou o curso para formação em psicanálise e teve uma clínica em Campinas até 2004.
Sarau
Nesta quinta-feira, para homenagear o poeta, o Instituto Rubem Alves, que fica no Jardim Chapadão, irá promover um sarau gratuito com música, sopa, vinho e poesia, como o escritor gostava, a partir das 20h.
Interessados em participar devem fazer inscrição antecipadamente pelo telefone 3386-0704.
Rubem Alves com sua filha Raquel  (Foto: Cláudio Araújo)Rubem Alves com sua filha Raquel (Foto: Cláudio Araújo)

sábado, 3 de septiembre de 2016

Jairo Marques, Biografia póstuma descreve sede por liberdade de Rubem Alves (2015)


Biografia póstuma descreve sede por liberdade de Rubem Alves


Passado um ano da morte do escritor Rubem Alves (1933-2014), seus admiradores podem ter uma oportunidade valiosa: experimentar a impressão de que estão conversando com o consagrado educador e colhendo dele um pouco mais de suas histórias, conceitos relativo à vida e detalhes de sua trajetória.
Em "É uma Pena não Viver - Uma Biografia de Rubem Alves" (editora Planeta), Gonçalo Junior, com vastos elementos de pesquisas, constrói o ambiente que acolheu a infância de Rubem, no interior mineiro, passando por sua formação intelectual, pela vida religiosa e por sua obsessão por liberdade.
Maria do Carmo/Folhapress
O escritor Rubem Alves em sua casa em Campinas, em retrato feito em 2005
O escritor Rubem Alves em sua casa em Campinas, em retrato feito em 2005
Ao longo de suas 477 páginas, a obra -autorizada pela família- entrelaça o trabalho de campo do autor, que fez 30 entrevistas e contou com documentos inéditos repassados pelo Instituto Rubem Alves, com interferências de trechos de crônicas e declarações de Rubem.
"Tive muita preocupação com os fragmentos de memórias usados. Não poderia criar um descompasso com a poética e com o modo de falar do Rubem", afirma o autor.
O espírito contestador do escritor é respeitado até na explicação de como ele ganhou paixão pela leitura, em trecho literal de sua fala.
"Não aprendi com a gramática. Dizem que os jovens não gostam de ler. Mas como poderiam amar a leitura não houvesse alguém que lesse para eles. Aprende-se o prazer da leitura da mesma forma que se aprende o prazer da música: ouvindo."
Do traumatizante bullying sofrido no colégio devido a seu sotaque carregado e pela condição de pobreza na infância, passando pela questionadora carreira de pastor da igreja Presbiteriana, pela perseguição e pavor vividos durante a ditadura militar até o mergulho no universo da educação e da humanização, o livro vai formando o "encantador de palavras".
"Cinco anos antes de morrer, Rubem fez um roteiro para um documentário sobre a sua vida, que acabou não sendo rodado. Tive acesso a esse documento e procurei seguir aquele caminho. Ele havia reprovado duas biografias anteriores, mas penso que ele iria concordar com a minha", diz Gonçalo Junior.
Parte densa da obra é dedicada a um período de intenso sofrimento para o professor -que fez carreira na Unicamp e foi um dos palestrantes sobre educação mais importantes do país-, o da ditadura (1964-1985).
Segundo o autor, "a fase foi muito importante, porque Rubem se viu acuado, censurado. Passou por dificuldades financeiras e teve de se exiliar nos EUA. Sofreu pressão tanto de militares como da própria igreja de que era pastor."
O escritor com sua veia mais engraçada, como defensor das diferenças e de valores humanos, tal qual conheceram mais de perto leitores desta Folha, onde Rubem foi colunista por três períodos, a partir da década de 1980, aparece com mais força a partir do capítulo nove.
Em "Histórias para Raquel Dormir", uma referência aos contos infantis criados pelo filósofo para a filha, Rubem começa a surgir com mais lirismo e com mais momentos emotivos. Mesmo assim, seguem na caracterização os ideais de liberdade e a crítica do "não viver" plenamente.
"O livro se chama 'É uma Pena não Viver' porque, para Rubem, não bastava existir, era preciso aproveitar tudo o que a vida proporcionava de maneira intensa. Ele foi subversivo até o fim", diz Gonçalo.

É UMA PENA NÃO VIVER
AUTOR Gonçalo Junior
EDITORA Planeta